quarta-feira, 1 de agosto de 2007

São São Paulo quanta dor...



Com um nó no peito, com a cara dura, lhes apresento o eterno futebol. Meus caros, vocês certamente sabem que sempre é preciso cumprir a tabela, que a vida coleciona cicatrizes, dores pungentes, mas sequer cogita interromper seu caminhar. Por isso, por favor: não culpem a Rua Javari, não a qualifiquem como insensível e maldita. Ela é inocente, mais que isso, ela é vítima. Nada pode fazer, a não ser, acompanhada por um ostensivo céu cinzento, testemunhar o início de Juventus x Villa Nova, às três da tarde de uma quarta-feira, pela terceira rodada do grupo 14 da Série C tupiniquim. Chore vítima Javari, chore Mooca, mas o faça com vontade, com fúria, honrando a intensa dramaticidade italiana. O dia é de lágrimas, o pudor partiu sem destino. Tudo conspira a favor do mal, nossa impotência não conhece limites. Ah sim... a Aurilândia mantém-se em silêncio absoluto, não por respeito, mas graças aos tais problemas técnicos, evidentemente. Cabines... cabines não há. Nunca houve. A Javari, ou melhor, o estádio Conde Rodolfo Crespi é um mendigo soberbo que sobrevive de lendas e da paixão caricata de alguns. Espectadores privilegiados que somos, acompanhamos toda a primeira etapa em uma das varandas de imprensa, ao lado de cinegrafistas amadores e repórteres de obscuras emissoras paulistanas. A pobre condição humana fica mais evidente a cada passe errado, a cada furada bizarra, a cada disparate miserável de juventinos e villa-novenses. Desculpem. Em um cenário de melancolia desenfreada, a ilusão e a tolerância perdem suas forças, tudo parece dolorosamente claro e inevitável. São Paulo, quanta dor, quanto amor...

O minuto de silêncio em respeito às vítimas do acidente da TAM não sensibilizou uma parte do público presente à Rua Javari. Os poucos juventinos mais exaltados, posicionados atrás de um dos gols, mantiveram seus imbecis gritos de guerra, ignorando primeiro a execução do Hino Nacional e depois a dor que, de tão comovente e brutal, se podia tocar. Malditos colonos. Para o crime, imediato castigo: São Pedro, que assistia ao jogo direto do céu (talvez o único local com transmissão ao vivo da Série C), novamente despejou uma forte chuva que tomou conta da Mooca, ensopando os carcamanos e garantindo um toque gladiador a um jogo que oscilava entre o tedioso e o cômico. No entanto, pouco depois o sol surgiu imponente, fazendo divertida companhia à chuva faceira. Sim...isso mesmo... Os fenômenos meteorológicos paulistanos eram mais instigantes que a própria partida.

Um confronto cadenciado, recheado de erros e carente de oportunidades incisivas de gol. O Villa Nova, ainda traumatizado com a impactante derrota em Governador Valadares, buscava alternativas. O sábio comandante Pirulitowsky, que pela manhã me endereçou palavras de gratidão através de Aguiar, promoveu anunciadas mudanças na equipe inicial, buscando conferir poder de fogo ao ainda virgem ataque villa-novense. O jovem Rômulo, típico centroavante fixo na área, estreou já como titular. O leve Márcio Diogo foi recuado para o meio, Willian César assumiu a ala direita. No entanto, a agressividade desejada não foi alcançada, a não ser em dois avanços que resultaram em gols corretamente anulados pela arbitragem carioca. O zero a zero reinou soberano ao final da primeira etapa.

A Aurilândia mantinha-se em obsequioso silêncio. Chegamos por volta do meio-dia ao estádio e inicialmente nos indicaram uma varanda de imprensa destinada aos visitantes e localizada no lado oposto às cadeiras sociais. No entanto, após frustrantes tentativas de acionar a linha de transmissão e captar o retorno da rádio através dos fios indicados (todos os fios nos presenteavam com a programação da Eldorado de São Paulo), como marionetes de um sistema opressor, fomos enviados para a outra extremidade da Javari, para a varanda de imprensa principal, onde tradicionalmente as gigantes Jovem Pan, Bandeirantes e Record se acotovelam sob pombos insaciáveis, em dias, cada vez mais raros, de jogos mais badalados contra os grandes do estado.


Bom....o bendito retorno até foi captado, mas a linha de transmissão seguiu como algo distante, provavelmente habitando uma remota ilha da fantasia, onde todas as rádios são felizes e a série C é um oásis sem fim. A situação permaneceu inalterada ao longo de toda a primeira etapa; Aguiar disparava informações via celular e chegou a entrar ao vivo em um flash “especial” nos últimos instantes do ato inicial. Jota Moreira saudou o “grande esforço e trabalho” de Rachel Matos, a dona da rádio e personagem que certamente será ainda muito citada neste blógui. Ahh...Jota, continue assim, só você mesmo para nos arrancar gargalhadas nesses momentos de amargura...Obrigado.


Intervalo de reflexão: Ainda na primeira rodada do campeonato, as figuras da Globo Valadares sofreram na Javari. Não encontraram o paradeiro da linha e acabaram transmitindo toda a partida via celular, o que resultou em uma conta estratosférica e uma saraivada de marimbondos da diretoria enfurecida. Além disso, a rádio concorrente em Nova Lima não estava na Javari. “Ora...com um cenário como esse, o que vier será lucro”, pensei com um otimismo desolado. Até que Baroni chegou... (continua) Enquanto isso, fique com a letra de "São Paulo, Meu Amor", autoria do baiano paulistano Tom Zé (música perfeita para dias assim)


São São Paulo quanta dor São São Paulo meu amor

São oito milhões de habitantes De todo canto e nação Que se agridem cortesmente Correndo a todo vapor E amando com todo ódio Se odeiam com todo amor São oito milhões de habitantes Aglomerada solidão Por mil chaminés e carros Gaseados a prestação Porém com todo defeito Te carrego no meu peito

São São Paulo quanta dor São São Paulo meu amor

Salvai-nos por caridade Pecadoras invadiram Todo o centro da cidade Armadas de ruge e batom Dando vivas ao bom humor Num atentado contra o pudor A família protegida O palavrão reprimido Um pregador que condena Um festival por quinzena porém com todo defeito Te carrego no meu peito

São São Paulo quanta dor São São Paulo meu amor

Santo Antonio foi demitido E os ministros de Cupido Armados da eletrônica Casam pela tevê Crescem flores de concreto Céu aberto ninguém vê Em Brasília é veraneio No Rio é banho de mar O país todo de férias E aqui é só trabalhar Porém com todo defeito Te carrego no meu peito

São São Paulo quanta dor São São Paulo meu amor

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