terça-feira, 7 de agosto de 2007

A metamorfose



Certa tarde, ao acordar após rodadas patéticas, o Villa Nova viu-se no gramado, metamorfoseado num monstruoso e voraz Leão. Do outro lado, uma anêmica pantera, que se imaginava a fera soberana no caótico reino do grupo 14 da Classe C tupiniquim, sonhava ingenuamente com um empate que já lhe garantiria na fase seguinte da competição. Pobre coitada; o time do Democrata ignorava o iminente crime do qual seria uma melancólica vítima. Dentro de instantes, as testemunhas presentes ao Alçapão do Bonfim, assistiriam a um dos mais inesperados e devastadores massacres da história de Nova Lima. “Nunca antes na história deste estádio, aconteceu algo semelhante”, diria o presidente Lula. Em meio à avalanche de gols e declarações de amor eterno, os antigos vilões villa-novenses sairiam consagrados de campo. Tudo lhes seria permitido naquela noite de glórias e prazeres infinitos; abnegados pais de família prenderiam suas filhas em casa, tanto as comportadas quanto as assanhadas. Os jogadores e torcedores do Democrata desejariam partir imediatamente para Miami, aproveitando a tragédia para antecipar a inevitável debandada da escaldante Governador Valadares. Flávio Lopes, o novo comandante do Leão, discursaria com ares de gênio intocável, arquitetando teorias mirabolantes que justificariam a fulminante redenção. O presidente João Bosco lançaria sorrisos até para os maridos e namorados das moçoilas das arquibancadas. Uma onda de inabalável otimismo abraçaria todo o Bonfim: os ruidosos pastores da filial da Assembléia de Deus ao lado do estádio, gritariam em uníssono: Aleluia! Vamos contribuir irmãos! Aleluia! Aleluia! Ahhhh...uma felicidade incontida...Sorrisos, abraços, agradecimentos por todos os lados...e a tristeza....a tristeza não poderia nem pensar em chegar! Não é mesmo Pirulitovsky?


A edição de 19 de julho da Folha de São Paulo, adquirida em uma simpática padaria no bairro paulistano da Lapa, que se orgulha em oferecer aos clientes a estrondosa iguaria “caracu com ovo” em sua carta de bebidas, estampou no caderno Ilustrada, mais exatamente na sempre badalada seção de astrologia:

SAGITÁRIO
Você lembra do que o levou a aceitar certos encargos, a assumir alguma tarefa profissional específica? Pois é dia de ajustar isso às demandas internas. Sem ter medo de mostrar as fraquezas e fragilidades. Por meio delas é que você irá desmascarar o que não anda bem. Mudar é preciso e agora.

Aguiar é do signo de Sagitário, diria Zora Yonara. O jovem jornalista andava desgostoso com os insistentes problemas técnicos da Aurilândia. A simples leitura do texto citado, bastou para lhe encher de coragem e ousadia. Aguiar desejava promover a revolução de sua vida. Ele nunca foi masoquista. Nada iria o deter! Enfrentaria todos os perigos em busca de sua satisfação terrena e espiritual. No entanto, após alguns cigarros e horas de reflexão, a vontade acabou passando. Ele não deve acreditar muito em horóscopo. Seguimos em frente. Superamos o árduo confronto diante do Juventus relatado aqui anteriormente. Agora, a reedição do duelo mineiro.

A linha de transmissão estava perfeita. Dentro de instantes, a Aurilândia, com seu potente som estilo anos 70, transmitiria Villa Nova e Democrata, pela quinta rodada do grupo 14 da Série C. Os jogadores no gramado, mas nada de entrevistas. O equipamento de retorno explodiu de vez e lamentavelmente não beberei na fonte de sabedoria e eloqüência dos artistas do espetáculo. Uma pena. Vou desafiar minha miopia e me posicionar em uma das cadeiras da luxuosa cabine 3 do Alçapão do Bonfim...Bom...pelo menos no intervalo ganharia sanduíche de presunto e refrigerante. Para o Democrata, um chocolate bem amargo, envolto em papel clichê.

Primeiro ato. O Villa impôs um jogo veloz e altamente insinuante. O Democrata já desnorteado assistia à troca de passes e deslocamentos dos furiosos adversários. Minuto 6. O Leão ataca e ameaça pela esquerda da entrada de área; Paulo César bate cruzado, o disparo sai fraco, mas encontra Fabinho pelo caminho. O atacante domina e finaliza no rodapé direito do pobre goleiro Alencar. Êxtase no Alçapão. O primeiro gol de um atacante villa-novense na competição. Suor e lágrimas.Villa 1x0 Democrata.

A pressão seguia avassaladora. O Leão exibia uma nova e irresistível face marcada por um ritmo alucinante. Minuto 13. Uma seqüência fatal. Emerson destila seu veneno em cobrança de escanteio pela ponta direita; Paulo César cabeceia, Alencar espalma e Rômulo apanha o rebote na pequena área. Villa 2x0 Democrata. Precoce velório na transmissão da Globo Valadares. O beijo na viúva parecia já iminente.

Em meio à euforia das testemunhas em estado de graça, o Villa reduziu sua intensidade e procurou resgatar o fôlego inicial com a troca de passes burocráticos nas intermediárias do gramado. O Democrata percebeu nessa mudança de postura villa-novense, a chance de alcançar uma improvável reação. A Pantera, com abusada agressividade, passou a ocupar os espaços no campo de ataque e conferir minutos de alta competitividade à partida. O articulador Thiago Silva, improvisado como atacante, descolou um ataque pela direita, arranca, invadiu a área e adiantou a gorducha; percebendo o erro, imediatamente buscou o contato adversário e caiu na terra prometida.

O árbitro marcou a contestável penalidade. A esperançosa Globo Valadares vibrou na expectativa da redenção. Everton na cobrança. Glaysson no centro da meta. A torcida forasteira amaldiçoa o milagreiro rechonchudo. Malditos yankees valadarenses. Tudo pode mudar.

(continua)

Um comentário:

Lucy disse...

"que já lhe garantiria na fase seguinte" se trocar por a garantiria fica perfeito. não só o português, como o texto todo.