terça-feira, 17 de julho de 2007

À espera de um milagre- parte 2



O blógui informa: O goleiro villa-novense Glaysson é a versão tupiniquim do ator Michael Clarke Duncan, eternizado nas telas do cinema, com a interpretação do sobrenatural John Coffey em “À espera de um milagre”, estrelado por Tom Hanks. A informação foi constatada na sexta à noite, com a exibição da dramática e bela película no aparelho televisor do quarto 234 do Century Park Hotel, localizado em Ipatinga, cidade na região do Vale do Aço das Minas Gerais. Glaysson não foi informado. Duncan, muito menos.

O goleiro, mesmo que não tenha assistido ao filme, provavelmente ficaria com o ego massageado ao ser comparado a um milagreiro. No entanto, mesmo que a semelhança ultrapasse realmente o aspecto físico, é preciso destacar: os profissionais da arte do milagre, sempre preocupados com a manutenção do glamour de sua condição singular, não costumam acionar seus poderes em situações triviais, mas apenas em circunstâncias de real e iminente perigo. Por isso, o sempre sábio técnico Pirulito, conhecedor dos segredos e mistérios da vida, prefere uma partida tranqüila, um confronto ameno, com um time eficiente e seguro na marcação, atacando com equilíbrio e não propiciando indesejáveis momentos de sufoco. Pirulito não é adepto do “futebol-milagre”, ele prefere Glaysson e não uma figura exótica e yankee dos anos 30 defendendo sua meta: “nada de John Coffey por aqui!” diria ele, com seu estilo simplório e temperamental.

Além disso, talvez o goleiro do Leão não passe de um sósia menos badalado. É melhor desconfiar. Foi com essa pragmática “filosofia” que a delegação villa-novense desembarcou por volta das seis da noite da sexta-feira em Ipatinga, onde ficaria até o final da manhã seguinte, quando retornaria ao ônibus que a levaria rumo à cidade de Governador Valadares, no Vale do Rio Doce, mais especificamente ao estádio Mammoud Abbas, palco do embate diante do Democrata Pantera, pela segunda rodada do grupo 14 da Série C.

A partida era fundamental na seqüência da competição. Os jogadores chegaram demonstrando muita garra, muita fome de bola, de vitória e de macarrão, frango, carne de porco, feijão, mais macarrão, sem esquecer do doce de leite ao final. O jantar de sexta, testemunhado por incrédulas funcionárias, foi devastador. Aliás, Glaysson pode não ser o John Coffey, mas se continuar comendo daquele jeito, vai ficar mais parecido com o Michael Clarke Duncan do que o próprio Michael Clarke Duncan (comentário em off: Duncan ostenta mais de 130 quilos). Após a singela refeição, cada atleta se dirigiu ao seu aposento para acompanhar o restante da cerimônia de abertura do Pandemônio do Rio de Janeiro e recitar um pouco de Camões e Fernando Pessoa enquanto Morfeu não chegasse. O vigia Pirulitovsky, sempre antenado e caminhando sorrateiramente pelo hotel, localizado em um amplo espaço semelhante a um quartel do exército, aparentemente não teve trabalho. A noite avançou serena no Vale do Aço.

Na manhã seguinte, após um apetitoso café da manhã, avançamos pelas estradas do leste mineiro, sob um céu azul e um sol impiedoso, passando pelos progressistas municípios de Naque e Periquito, até alcançar finalmente a escaldante Governador Valadares, a cidade repleta de semáforos, carente de placas e que desconhece a estação denominada inverno. Logo de início, encontramos um autêntico desafio: encontrar o estádio Mamudão. Pedíamos informações aos pedestres valadarenses que ainda não partiram para Miami, Texas e Baltimore. Todos eles nos ofereciam referências vagas e imprecisas. Chegamos a cogitar uma conspiração arquitetada pela Vênus Platinada: na realidade, o Mamudão seria uma obra de ficção construída pelos computadores globais, nos iludindo desde nossa mais tenra infância. Ahhhhh...que isso...chega de besteira!!! Olha lá o Mamudão! É ele! É ele! É ele! É ele? Não...é um cemitério....ahhhh....

Bom...depois desse pequeno equívoco, finalmente chegamos ao estádio e, após alguns degraus superados em poucos minutos, já estávamos na apertada cabine A-6 (ainda sem energia elétrica) do então deserto e real Mammoud Abbas que, pelo menos em um dos seus muros laterais, realmente lembra um cemitério. Sem hesitações, vamos logo aos detalhes e à utilidade pública: inicialmente, senhores e rapazes, atentem-se para o fato de que o banheiro masculino do Mamudão não possui papel higiênico e nem lavatório. Sendo assim, após utilizar o recinto, olhe para um lado, olhe para o outro e, com um movimento ágil e decidido, invada o similar feminino. Lá encontrará um lavatório! Não é o máximo? Agora, se necessitar de papel higiênico, é melhor rezar...

O Mamudão também se encontra mutilado. Devido à alegada falta de segurança, as arquibancadas metálicas, que compreendem mais da metade das dependências do estádio, foram interditadas por ordem judicial. Uma grande bandeira de uma torcida “organizada” da Pantera ocupou o grande vazio imposto pelo Ministério Público. O torcedor tinha como opções apenas parcas arquibancadas atrás de um dos gols e também as próximas às cabines de imprensa e cadeiras sociais, limitando a capacidade do estádio a meros 3.000 espectadores. Um cenário favorável que talvez reduziria a intensidade da pressão ao Villa Nova, mas que não faria a menor diferença para nós, que, mesmo com todos os equipamentos corretamente instalados, tanto na cabine quanto ao lado do gramado, ouvíamos o retorno, mas não conseguíamos novamente nos comunicar com a bendita rádio Aurilândia.


O drama se repetia enquanto a hora do jogo se aproximava sem piedade. Os repórteres da rádio Globo de Valadares já disparavam seus clichês com tranqüilidade. Os jogadores já se aqueciam no gramado, os torcedores lentamente ocupavam os espaços permitidos. Prosseguíamos em silêncio. Culpa da Telemar? Culpa da própria rádio? Culpa da Al-Qaeda? Não tínhamos as respostas, éramos pobres vítimas de uma força oculta e maligna. Apenas sabíamos que diante de tantos obstáculos, talvez estivéssemos realmente “À ESPERA DE UM MILAGRE”, o milagre da transmissão radiofônica...Johnnn Coffeeeeyyy!!!!!

(continua) Rômulo Mendonça


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