terça-feira, 10 de julho de 2007

Abrem-se as cortinas e não começa o espetáculo


O sorriso de aeromoça da loirinha de pele clara e olhos verdes da Federação deu um toque mais singelo àquela tarde ensolarada de sábado. Por efêmeros instantes, foi como se estivéssemos em Copenhagen, apreciando o verão europeu em uma confortável cabine de transmissão, à espera do início de mais uma amena partida do Campeonato Dinamarquês. No entanto, após entregar uma folha com informações triviais, o tal sorriso logo se desfez e sua dona partiu rumo às tortuosas escadas com seus degraus traiçoeiros que a levariam para longe de nós. Minha imaginação, que felizmente não depende de controladores de vôo, atravessou novamente o oceano e se chocou com a realidade que até meus olhos míopes miravam sem pestanejar. Fios por todos os lados, gambiarras mirabolantes dignas de MacGyver já atravessavam o teto da cabine número três, especialmente decorada com cocôs de passarinho e uma cadeira e uma mesa menos conservadas que minha avó (que aliás, já faleceu). Tudo isso formava um emblemático cartão postal de boas vindas à Série C do futebol pentacampeão do mundo.

Atenção: sai definitivamente Copenhagen, entra em ação Nova Lima, a terra do ouro, cidade na região metropolitana de Belo Horizonte, capital das Minas Gerais. A cidade do Villa Nova, o Leão do Bonfim, clube com 99 anos de história e que dentro de instantes enfrentaria o suburbano Madureira do Rio de Janeiro em partida válida pela primeira rodada do Grupo 14. O cenário: o sufocante Alçapão do Bonfim, um estádio que, você já deve imaginar ou saber, não prima exatamente pela excelência, a não ser, é claro, pela sua fácil localização: ao entrar em Nova Lima, basta seguir direto, avançando por suas ruas estreitas com um quê de cidade histórica...bom, foi isso que todos os pedestres nos responderam sem hesitação.

O jogo começaria dentro de pouco mais de uma hora, mas não havia motivos para empolgação. Apesar da boa qualidade dos equipamentos, não conseguíamos nos comunicar com a rádio. Repetíamos frases que depois de proferidas tomavam rumo desconhecido. “Alô rádio Aurilândia...alô rádio Aurilândia...alô rádio Aurilândiaaaaaa...” Malditas forças ocultas pareciam conspirar contra nossa empreitada, sem nenhuma suspeita em relação à rádio concorrente, formada por figuras simpáticas que irritantemente levavam ao ar com tranqüilidade a sua jornada esportiva. Será que estávamos na cabine certa?

Para agravar nosso drama, o funcionário da Telemar-Oi, responsável pelo perfeito funcionamento das linhas, tinha paradeiro desconhecido. O rapaz, provavelmente freqüentador dos bares ao redor do estádio e uma espécie de Seu Madruga tupiniquim, só foi surgir bons minutos depois para, após telefonemas e novas investidas MacGyverianas, decretar que o problema estava na linha de transmissão, talvez em algum poste próximo à rádio. O jogo nem havia começado e já sentíamos o que é a Série C: sofrimento antes, durante e depois da partida.

Aguiar, um otimista inveterado, acreditava que faríamos os derradeiros quinze minutos da partida. Nesse momento, velhinhos uniformizados já se acomodavam nas arquibancadas, a charanga já tocava e os jogadores com humildade e determinação já se desvencilhavam dos buracos do “gramado” em busca do resultado positivo.

Aliás, um primeiro tempo dominado pelo Madureira, que perdeu belas oportunidades criadas por Marcelo Pelé e companhia bem limitada. O ataque carioca era insinuante e envolvente, trocava passes rápidos e disparava com muito perigo em busca do gol. Aos 24 minutos, Muriqui, o camisa 10 do subúrbio, tocou para Raone que, na entrada de área, mandou um torpedo na trave. A angústia em Nova Lima ganhou força após novas oportunidades perdidas pelo Pelé e seu companheiro Douglas, que, diga-se de passagem, não lembrava Pepe nem Coutinho. A atuação do Villa era preocupante, o time não conseguia se impor. O goleiro Glayyyssonnnn falhava nas reposições, o meio-campo era lento e o ataque buscava se movimentar, principalmente com Márcio Diogo, mas era frágil demais. Os torcedores já cuspiam marimbondos.

Enquanto isso, simulávamos trechos de narração e reportagem na esperança de sermos ouvidos quando o árbitro de verde limão encerrou o primeiro tempo. Como prêmio pela nossa “transmissão”, que incluiu inovadoras formas de expressão, recebemos sanduíches de presunto e queijo acompanhados de refrigerantes...Nada mais merecido. Fizemos a melhor transmissão de todos os tempos, pena que ninguém mais ouviu...(continua)

Rômulo Mendonça




Nenhum comentário: